De uns tempos para cá o armazenamento de informações nas chamadas “nuvens” (clouds) tem virado febre em todo o mundo. Já não mais precisamos da instalação de programas em bases físicas. Tudo é guardado em locais virtuais. A partir daí o “céu” é o limite: são fotografias, arquivos e imagens de todo o gênero. Posso acessar tudo de qualquer parte do mundo. A única exigência é estar plugado na internet.
Pouca gente sabe, mas hoje já é possível armazenarmos não apenas os componentes de um banco de dados, mas o próprio banco de dados inteiro; incluindo, aí, a cópia fiel da estrutura do sistema de informação. A técnica é conhecida como Dump. Dito de uma forma bem simplificada. Admitamos que eu disponha de vários arquivos em Excel. Não apenas cada um deles poderá ser armazenado, mas também o próprio software que utilizei para construir os arquivos (o próprio office!). Outro exemplo: sou empresário e utilizo um software para fazer a minha folha de pagamento e toda a gestão de meu RH. Não apenas posso manter a cópia dos arquivos das folhas de salário de todos os meses do ano, mas também terei condições de fazer uma cópia do próprio software da folha, com tudo que estiver dentro dele. Ficou mais claro? Agora, imagine o uso dessas duas ferramentas no contexto das organizações públicas?
A cada virada de mandato municipal, há uma situação bastante comum nos municípios brasileiros: quem sai disse que deixou. Quem entra afirma que não encontrou nada. Daí por diante vira uma verdadeira novela. É como tentar descobrir o sexo dos anjos.
Outras vezes, os ex-gestores (prefeitos, secretários, diretores) batem às portas dos tribunais de contas dizendo que não podem fazer sua defesa porque não conseguiram obter os documentos necessários. A história é sempre a mesma: eles pedem as informações dos gestores atuais. Contudo, por razões político-partidárias (ou meramente pessoais) não conseguem obter a cópia dos documentos solicitados. São “cozinhados em banho-maria”. “E agora?”, perguntam eles, “O que eu faço? Como posso fazer minha defesa?”. Ou seja, ficam de pires na mão como que mendigando um punhado de informação.
Bem, para tais situações a solução mais viável para quem está à frente dos órgãos públicos é fazer uma cópia (backup) de todos os documentos de sua gestão. O problema é saber quais documentos serão copiados. São milhares de informações. Centenas de documentos. Tem gente que contrata uma empresa e digitaliza tudo. Mas o custo é elevado. É nessas situações que os gestores podem contar com o Dump. Não precisam se preocupar com a cópia deste ou daquele documento. Eles podem fazer a cópia de todo o banco de dados do sistema de informação. Aliás, o próprio sistema pode ser copiado. Conforme outra dito, isso já é perfeitamente possível em tecnologia da informação. E não é nada complexo. Muito pelo contrário. É tudo muito simples. Tanto que as cópias podem ser feitas diariamente.
Agora, uma observação importante.
O Dump aqui referido é como se fosse uma fotografia do sistema de informação. Essa fotografia é composta por três elementos: a estrutura, o banco de dados e o layout do sistema. De posse dela será possível alocarmos o conteúdo copiado para “rodar” num sistema que apresente a mesma configuração. Fazemos questão de ressaltar essa particularidade porque o Dump, em si, não é um sistema de instalação mas tão-somente de recuperação de dados. Ele, portanto, não possui setup.
O Dump não é apenas uma solução para que os atuais gestores se resguardem de futuros questionamentos. Ele é dirigido às organizações governamentais. Aliás, desde novembro de 2010 que ele é exigido. É o que diz o artigo 6º da Portaria/MF 548/2010: Deverá ser realizada cópia de segurança periódica da base de dados do SISTEMA que permita a sua recuperação em caso de incidente ou falha, sem prejuízo de outros procedimentos. Lembrando que esta Portaria, juntamente com o Decreto federal 7.185/2010, regulamentou a Lei da Transparência (Lei Complementar 131/2009). A cópia de segurança aqui referida, obviamente, não visa a atender aos interesses pessoais dos administradores. A preocupação aqui é com a preservação das informações públicas que, infelizmente, são frequentemente alvo de gestores inescrupulosos que, ao final de seus mandatos, saqueiam os bancos de dados das organizações governamentais.
Esta cópia de segurança poderá ser armazenada em meio físico (HD, servidor, etc.) ou em clouds (nuvens). Pode-se recorrer, inclusive, às duas modalidades de armazenamento (procedimento mais recomendado). O importante é que ela seja realizada. Aliás, a prudência recomenda que deverão ser feitas mais de uma cópia de segurança, cada uma delas armazenadas num ambiente diferente, a fim de preservá-las em caso de sinistros. De se ressaltar que o Dump não é apenas uma exigência imposta aos municípios. Os demais entes federativos (União, estados e DF) também estão obrigados a fazê-la.
Se o Dump abre uma perspectiva bastante positiva para os ex-administradores públicos, imagine para os tribunais de contas, os órgãos legislativos, o ministério público e o poder judiciário.
Em regra, os administradores públicos têm que enviar informações periódicas para os tribunais de contas. São balancetes, balanços, dados de seus servidores, notas de empenho, etc. O problema é que essas informações são apenas uma fração de todo o banco de dados. Frequentemente, para o esclarecimento de uma situação específica, entretanto, são necessárias informações complementares que, muitas vezes, demoram a chegar. Com o Dump isso tudo pode mudar. Por que solicitar parte da informação se posso ter acesso a 100% dela? Poderei trabalhar com toda a base de dados e não somente com fragmento dela. Certamente que essa mudança de postura frente às organizações públicas poderá revolucionar a forma de atuação dos tribunais de contas. De posse do banco de dados inteiro das organizações públicas o tribunal poderá contribuir para a reconstrução de bancos de dados violados. O novo prefeito não mais poderia ficar refém de seu antecessor que, sem escrúpulos, sumiu com os dados. Ele poderá solicitar a cópia integral das informações ao respectivo tribunal de contas. Alguns tribunais pelo Brasil já estão trabalhando com essa tecnologia.
Da mesma forma, a ferramenta será bastante útil à fiscalização realizada pelos órgãos legislativos (congresso nacional, assembleias legislativas, câmaras de vereadores). É sabido que em tais recintos as cores partidárias falam mais alto, muitas vezes, que o interesse público. São incontáveis as situações em que os prefeitos municipais negam o acesso à informação aos edis. Certamente que se os nobres vereadores (extensivo aos demais parlamentares) pudessem contar com a cópia integral do banco de dados das municipalidades, eles não precisariam também ficar com o pires na mão em busca desse ou daquele documento. O processo de fiscalização do executivo certamente que ganharia novos matizes com essa medida. Em tais situações, também os parlamentares poderiam contar com essa cópia de segurança. Aliás, os órgãos legislativos poderiam ser mesmo um dos destinatários dela. Certamente que a medida também muito auxiliaria nas investigações a cargo do ministério público e nos julgamentos do poder judiciário.
ALIPIO REIS FIRMO FILHO
Conselheiro Substituto/TCE-AM