O episódio envolvendo as pedaladas fiscais tem ganhado destaque na mídia nacional. Nunca antes na História deste País o Chefe do Executivo federal teve de dar satisfações ao Tribunal de Contas da União (por ocasião da apresentação de suas contas para colher o parecer do Tribunal). Até então, os pareceres do TCU flutuavam entre contas regulares e contas regulares com ressalvas. Com as pedaladas fiscais, entretanto, o governo federal corre o risco de receber um parecer rejeitando suas contas o que fatalmente trará transtornos quando forem apreciadas pelo Congresso Nacional, principalmente pelos embates políticos entre os dois Poderes.
Inicialmente, o TCU concedeu o prazo de 30 dias para apresentações de justificativas por parte da presidente Dilma. Posteriormente, esse prazo foi esticado para mais 15 dias que, por sua vez, foi prorrogado pelo Tribunal novamente para outros 15 dias.
Pode soar estranho o fato de num parecer opinativo um órgão de controle externo conceder prazo para o agente público se pronunciar sobre os pontos levantados. A relação não é litigiosa o que dispensaria um eventual contraditório. Ainda que seja assim, trata-se de um parecer que certamente repercutirá em diversos setores: mídia, economia, política, etc. O TCU é um órgão centenário. Seus servidores, todos selecionados mediante rigorosos concursos públicos, são um dos melhores corpos técnicos da Administração Pública Federal. Portanto, sua opinião acerca das contas do Governo da República pesa muito, especialmente nesse momento delicado por que passamos. Daí a necessidade de que o debate se amplie, a fim de que todos os pontos sejam diligentemente discutidos.
Mas o núcleo dos debates gira em torno das famosas pedaladas fiscais. E o que seriam exatamente essas “pedaladas”? Qual foi mesmo o pecado de Dilma?
A Secretaria do Tesouro Nacional é o caixa executivo do governo federal. É ela quem distribui todos os recursos arrecadados entre as diversas unidades gestoras (em torno de 8 mil unidades). Esses recursos são para o pagamento das despesas de cada órgão. Muitas despesas da União – como o seguro desemprego e os auxílios pagos através das bolsas (universidade e outras) – são pagas por meio de instituições financeiras oficiais (Banco do Brasil, Caixa Econômica Federal). Em 2014 o governo federal enfrentou (e está enfrentando também este ano) problemas para cumprir sua meta de Resultado Primário. A meta em 2014 era de 116 bilhões, mas a União não conseguiu alcançá-la. Aliás, desde o início de 2014 o Planalto já cogitava a possibilidade de não atingir a meta. A quantia poupada no Resultado Primário é para fazer frente aos juros, comissões e encargos do serviço da dívida pública brasileira.
Todos os meses a Secretaria do Tesouro Nacional calcula o Resultado Primário. Para tanto, ela faz uma conta relativamente simples: considera todas as receitas primárias e as compara com as despesas primárias. Conforme outrora disse, boa parte das despesas do governo federal é paga por meio de instituições financeiras controladas pela União. Pois bem. A fim de que essas instituições liquidassem as obrigações era preciso que a STN transferisse os recursos correspondentes de maneira tempestiva. E aqui nasceram as famosas “pedaladas fiscais”.
A fim de gerar resultados primários, digamos, mais “atraentes” aos olhos do público a STN atrasou os repasses aos bancos criando disponibilidades em caixa “livres” de compromissos. Com isso, as instituições financeiras recorreram aos seus próprios recursos para quitarem as obrigações da União. Em decorrência desse artifício fiscal, os bancos acabaram financiando parte das despesas da União, infringindo a Lei de Responsabilidade Fiscal que veda essa prática (art. 36): “É proibida a operação de crédito entre uma instituição financeira estatal e o ente da Federação que a controle, na qualidade de beneficiário do empréstimo”. É como se a União contratasse um empréstimo junto às instituições financeiras para quitar suas obrigações.
É bem verdade que num segundo momento foram repassados os recursos aos bancos, ressarcindo-os dos gastos, mas já era tarde demais. As linhas de financiamento já haviam sido abertas, ainda que tacitamente. Nisso consistiram as “pedaladas” fiscais.
O governo Dilma alega que essa prática é comum no governo federal. Não foi, portanto, uma ação isolada. Nunca o problema ocupou a pauta dos debates.
É o que sempre costumo dizer a alguns gestores públicos: o fato de um problema nunca ter sido levantado numa prestação de contas não significa que ele nunca será. Simplesmente ele nunca foi a debate. Mas isso não impede que, no futuro, a bola seja levantada.
Agora é aguardar.
Alipio Reis Firmo Filho
Conselheiro Substituto – TCE/AM