Na semana que passou, a mídia nacional deu destaque à prorrogação do prazo para que os municípios brasileiros colocassem fim aos lixões urbanos. Antes, a Lei 12.305/2010, que regula a Política Nacional de Resíduos Sólidos, determinava que os municípios teriam até 02/08/2014 para implementar a medida. Agora, eles tem até 2018 para se adequarem à política nacional. A Confederação Nacional dos Municípios conseguiu incluir dispositivo na Medida Provisória 651/2014, que trata de incentivos tributários, estabelecendo o novo prazo.
Segundo a Confederação, cerca de 3,5 mil municípios não conseguiram implantar as diretrizes da Lei 12.305/2010. O motivo seria a falta de recursos financeiros. De acordo com a entidade, os gastos para a implantação irão consumir recursos da ordem de 70 bilhões de reais. Os prefeitos que não tivessem cumprido o prazo fixado, poderiam ser punidos com penas de detenção ou multa que poderiam chegar a 50 milhões de reais. Agora, eles ganham novo fôlego já que dispõem de mais 04 anos para adotarem as orientações contidas na Lei 12.305/2010.
A medida, conquanto positiva sob a perspectiva dos municípios brasileiros, é um convite à reflexão. Até que ponto temos negligenciado a solução de problemas básicos e ao mesmo tempo crônicos ligados à questão ambiental em nosso País?
O Brasil – todos sabem – é detentor de uma das mais belas paisagens naturais do mundo. Rico em recursos hídricos, quase que imune a catástrofes naturais (tornados, terremotos, etc.), possuidor de um flora e fauna invejáveis, parece que ainda não despertou para a importância de bem tratar tamanho patrimônio ambiental. E tudo indica que está longe disso. A prorrogação do prazo para a implantação da Política Nacional de Resíduos Sólidos só reforça essa conclusão.
Há muito o lixo deixou de ser o patinho feio do ciclo de vida dos materiais produzidos pela humanidade. Na atualidade, ele representa um importante fator para o desenvolvimento e o crescimento econômico. Os países mais avançados do globo já fizeram essa descoberta. Não é outro o propósito da Lei 12.305/2010.
Diariamente, a humanidade produz toneladas de lixo. São materiais de todas as naturezas (orgânicos, plásticos, papeis, metálicos) cuja destinação ainda fazemos sem critérios, sem qualquer preocupação com o meio ambiente. Num futuro próximo, certamente que sofreremos os revezes dessa conduta. Aliás, há sinais claros que isso já está acontecendo aqui mesmo em nosso País. Mas de que é mesmo que trata a Política Nacional de Resíduos Sólidos? Como ela pode afetar a minha vida? Vou te dizer.
Essencialmente, a Lei 12.305/2010 está assentada em quatro objetivos:
a) erradicação dos lixões;
b) coleta seletivo do lixo residencial nas residências;
c) compostagem orgânica;
d) elaboração de planos de resíduos sólidos.
O primeiro deles – erradicação dos lixões – põe fim a um problema crônico que paulatinamente passou a conviver conosco, mas que já está alcançando escalas indesejadas. O quadro é o seguinte.
Todos os dias, em nossas residências, produzimos uma certa quantidade de lixo. Esse lixo é recolhido num recipiente e fica aguardando a coleta. Quando o “carro do lixo” chega, resolvemos nosso problema: nos livramos do indesejado lixo. Na verdade, em termos globais, o problema ainda persiste. Não nos livramos do lixo. Ele continua existindo. Apenas foi transferido para uma outra esfera de responsabilidade. Até então, a responsabilidade pela coleta e guarda do lixo era nossa. Agora passa a ser do poder público. E como os governos cuidam desse lixo? Bem, eles normalmente o depositam em locais abertos, os lixões, onde são, finalmente, “destinados”. É assim que nos livramos do nosso lixo. Agora, imagine esses depósitos feitos diariamente. Já imaginou? Sem que percebamos, começamos a construir verdadeiras “cidades de lixo”. Elas sempre estão crescendo e ocupando espaço. Como a coleta de lixo é feita de forma indiscriminada, os materiais são tratados da mesma forma independentemente de sua natureza. Os plásticos, cuja durabilidade é maior, misturam-se com papéis e estes com os metálicos e os orgânicos. Isso sem falar nos radioativos (pilhas, baterias, etc.) que vão no bolo. Tudo isso é colocado no mesmo espaço. “Guardado” no mesmo depósito. É dessa forma que hoje tratamos o nosso lixo. Na verdade, estamos literalmente colocando o lixo para debaixo do tapete. Chegará o tempo em que o tapete não vai mais dar para cobrir o lixo. E aí? O que deveremos fazer? A Política Nacional dos Resíduos Sólidos preocupa-se exatamente com isso.
Para ajudar na solução desse problema, uma das primeiras medidas da Lei 12.305/2010 é fazer com que haja a coleta seletiva do lixo doméstico. Esse, o segundo objetivo da Política Nacional. Essa medida tão simples ajudará muito na escolha da destinação adequada do lixo doméstico. E ela certamente dependerá da colaboração das famílias que, doravante, terão de adotar uma outra postura. Em outras palavras, elas mesmas já deverão recolher seu lixo doméstico de maneira seletiva: guardando papeis com papeis; orgânicos com orgânicos, e assim, sucessivamente. Isso facilitará (e muito) o processo de coleta e destinação. Está aí como podemos colaborar com a Política Nacional de Resíduos Sólidos.
Outro objetivo da Lei 12.305/2010 é com a compostagem orgânica. O que é isso? É um processo de transformação de matéria orgânica, encontrada no lixo, em adubo orgânico (composto orgânico). É considerada uma espécie de reciclagem do lixo orgânico, pois o adubo gerado pode ser usado na agricultura ou em jardins e plantas. Veja a importância da compostagem orgânica para a nossa vida! Ela representa uma forma de reciclagem do lixo orgânico, transformando-o em algo útil, que, portanto, pode ser reaproveitado novamente (adubos). Note o benefício que a adoção da medida pode oferecer aos nossos dias.
Mas todas essas iniciativas deverão compor um grande plano de resíduos sólidos, capaz de organizar a forma de coleta, guarda e destinação do lixo. Eis o quarto objetivo da Lei 12.305/2010. Haverá três categorias de planos: um plano nacional, de responsabilidade da União; planos estaduais e municipais, de responsabilidade, respectivamente, de cada um dos estados e dos municípios brasileiros.
Um dos objetivos dos planos municipais, dentre outros, é procurar diagnosticar a situação dos resíduos sólidos gerados nos respectivos territórios, contendo a origem, o volume, a caracterização dos resíduos e as formas de destinação e disposição final adotadas. Também deverão identificar as áreas favoráveis para disposição final ambientalmente adequada de rejeitos, observado o seu plano diretor e seu zoneamento ambiental, caso esta exista. Por rejeitos entenda-se os materiais (lixo) que, aplicados todos os procedimentos visando à sua recuperação e reciclagem, não seja possível o seu reaproveitamento devendo, portanto, obterem o descarte ambientalmente correto.
Já deu pra perceber a dimensão do impacto da Lei 12.305/2010 em nossas vidas. Ela literalmente irá mexer conosco. Em sua base está o descarte correto do lixo que diariamente produzimos e que irresponsavelmente, repetimos, colocamos debaixo do tapete. Isso tudo sem falar na fabulosa perspectiva econômica que permeia todo o processo. Sim. Podemos gerar emprego e renda com o lixo reciclado. A partir da Política Nacional será possível estimularmos as cooperativas de catadores de lixo. Eles poderão funcionar como importantes atores na coleta e destinação dos resíduos e, de quebra, obterem um rendimento extra. Dia a dia proliferam-se as indústrias de reciclagem em todo o mundo. Empresas que se especializaram em técnicas de reutilização de materiais. Por certo que o lixo corretamente reciclado poderá fazer com que esses empreendimentos cresçam, ofertando mais empregos e gerando salários para a comunidade.
Infelizmente, tudo isso terá de esperar mais quatro anos para acontecer. Não que os entes federativos não possam – já a partir de agora – implementar as diretrizes da Política Nacional. Em absoluto. Quem desejar já pode (e deve) implementar as medidas. Contudo, como o brasileiro deixa tudo para a última hora, é muito provável que ao final do quadriênio novamente contemplemos a mídia nacional estampando algo do tipo “foi prorrogado novamente o prazo para a implantação da Política…”.
O certo é que, se não regarmos a semente ora plantada, por certo que ela não florescerá. É preciso que amadureçamos nossa conduta quanto às questões ambientais. Nós, mais até do que muitos outros países, temos uma grande responsabilidade nesse processo. Muito do que se passa no planeta tem relação direta com o curso dos nossos rios e com o manejamento de nossas florestas. Afinal, fazemos parte da mesma família e ocupamos o mesmo espaço.
Quem sabe os tribunais de contas, na avaliação dos administradores públicos, não podem dar uma força.
ALIPIO REIS FIRMO FILHO
Conselheiro Substituto/TCE-AM