Dentre os gastos do setor governamental brasileiro, as despesas com pessoal são uma das mais significativas. Diariamente, colocam à prova a capacidade de gerenciamento dos governantes, capacidade essa quase sempre levada ao sabor da sorte, sem qualquer planejamento. Talvez por isso a crise que se abateu sobre o País tem conduzido muitas unidades federativas a atrasarem o pagamento do funcionalismo, a parcelarem suas folhas de salários ou, em situações mais extremas, a não honrarem o compromisso com seus servidores.

Não foi à toa, portanto, que o legislador federal decidiu colocar rédeas curtas nessa modalidade de gasto. Acertou em cheio. Fico me perguntando qual seria o cenário que estaríamos testemunhando caso não houvessem limites para as despesas com pessoal.

Discussões à parte, tenho refletido sobre a gênese de todo esse processo. A Lei de Responsabilidade Fiscal impôs limites ao crescimento dos gastos com a folha, traduzidos em percentuais da receita corrente líquida. Dependendo de onde a unidade federativa esteja localizada – plano federal, estadual ou municipal -, a Lei acabou por fixar um teto único e específico para ela: 50% para a União e 60% para cada Estado e cada município brasileiro. Muito bem. Com essa medida o “dragão” parecia definitivamente sob controle. Em tese, não havia como furar esse bloqueio. Todavia, não é bem isso que estamos observando.

O limite da despesa com pessoal tem sido rompido não pelo incremento das despesas, mas pela queda nas receitas. Talvez o legislador federal não tivesse contado com esse “elemento surpresa” ao conceber a estrutura de controle dos gastos com pessoal em maio de 2000.

E qual a diferença entre as duas modalidades de violação da Lei? Ambas não conduzem ao mesmo resultado? Sim, sem dúvida alguma. Ambas conduzem ao mesmo resultado atraindo sobre si as consequências previstas na própria Lei Complementar 101/2000 e na Lei de Crimes Fiscais (Lei 10.028/2000). Há clara infração fiscal. Em decorrência, o gestor faltoso não poderá se eximir de adotar as medidas de contenção dos gastos previstos tanto no art. 169 da Constituição Federal quanto na Lei de Responsabilidade Fiscal. Mas esse é apenas um lado do problema. O outro se desdobra em relação à responsabilização do gestor faltoso perante os tribunais de contas. Em outras palavras: se as modalidades de violação da LC 101/2000 têm o mesmo desfecho, também o gestor infrator deve ser tratado de maneira igualitária numa e noutra situação? Acredito que não. Há um diferencial entre as duas modalidades de infração.

Na primeira hipótese – aquela inicialmente perseguida pela Lei de Responsabilidade Fiscal -, a conduta do agente público é claramente ativa. Ou seja, ele concorre diretamente para a extrapolação do limite imposto pela Lei. Adota uma postura agressiva, fomentando o crescimento da despesa governamental sem levar em consideração as suas consequências e os apelos do Diploma legal. Ele tinha pleno conhecimento da ilicitude, podia evitá-la, mas preferiu não retroceder. Seguiu adiante.

Na segunda hipótese, ao contrário, descortina-se um outro cenário.

Aqui, a extrapolação do limite da despesa com pessoal decorre de variáveis exógenas, não endógenas. O comportamento da economia nacional é determinante para o rompimento da fronteira fiscal. Observe a sequência: a queda nas vendas fez com que o faturamento das empresas despencasse. Níveis mais baixos de faturamento no setor privado conduzem a arrecadações cada vez menores de impostos e contribuições no setor público. O resultado é um só: menos receitas governamentais.

Perceba que nesse cenário não houve incremento das despesas com pessoal. A transposição do limite decorreu fundamentalmente das condições econômicas, ou seja, de variáveis situadas fora do raio de ação do gestor infrator. Não quero dizer com isso que essa particularidade o exime de adotar medidas capazes de fazer com que o excesso das despesas retorne aos níveis desejados. Em absoluto. Minha abordagem é dirigida unicamente à responsabilização do administrador faltoso perante os tribunais de contas. Entendo que diante de contextos como o aqui referido, não cabe a responsabilização do gestor. Ele não concorreu para a infração, seja na modalidade culposa ou dolosa. Absolutamente, não há o que sancionar.

ALIPIO REIS FIRMO FILHO

Conselheiro Substituto – TCE/AM

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