Sem dúvida alguma que um dos maiores problemas que o Governo Temer terá de enfrentar será o equilíbrio das contas públicas. Com déficits cada vez mais crescentes, é preciso que sejam tomadas medidas urgentes, sob pena de a vaca ir, definitivamente, para o brejo. Com um agravante: ele não pode errar. É como se tivéssemos um só cartucho e precisássemos acertar um animal feroz que se lança sobre nós. Ou acertamos o alvo, ou perecemos. Esse é o cenário que hoje se põe diante do novo governo, resultado de uma gestão pública pífia, alicerçada apenas no clientelismo e nos conchavos políticos de seu antecessor.
Nos últimos quatro anos a receita do setor público brasileiro caiu consideravelmente. Ela foi fruto, primeiramente, do natural desaquecimento da economia. Quanto menor o consumo, menor a tributação. É o que diz a Teoria Econômica. Mas a falta de recursos não pode ser creditada apenas às leis do mercado. Outro fator determinante para chegarmos onde chegamos foi a adoção de políticas públicas insustentáveis no longo prazo. Basta olhar o passado (não muito distante) para concluirmos que o rombo nas contas públicas decorreu também da adoção de políticas sociais sabidamente temerárias, sem lastro financeiro. “Demos um passo maior que nossas pernas podiam suportar” dizem muitas autoridades e especialistas em economia.
Keynes, o grande economista do início do século XX, ao defender orçamentos governamentais desequilibrados para alavancar economias combalidas, focou na necessidade de as despesas públicas serem direcionadas a investimentos em larga escala, é dizer, na realização de obras públicas que, sabidamente, estimulam importantes segmentos do mercado, em especial, a mão-de-obra menos especializada gerando emprego e renda na ponta, responsável por dar o ponta pé inicial na engrenagem macroeconômica. A origem do déficit orçamentário brasileiro, certamente, não teve essa origem.
Em cenários tão caóticos como o nosso, no qual falta dinheiro para tudo, é natural que as equipes econômicas pensem logo na criação e majoração de impostos para tentar equilibrar as contas públicas. Não deu outra. Foi exatamente o que aconteceu. Ganhou fôlego novamente a recriação da (temida) CPMF. Talvez pela maneira fácil e imediata de engordar os cofres públicos. Há, todavia, duas importantes variáveis que não podem deixar de serem consideradas.
A majoração de tributos (ou a criação de outros) sempre estimula mais o quadro recessivo. Quando o governo eleva a tributação ele acaba sugando mais dinheiro da economia, como se fosse um grande aspirador. Ora, todos sabem que a falta de dinheiro conduz à elevação dos juros. Juros elevados, por sua vez, desestimulam os investimentos. Resultado: o quadro recessivo piora.
Não bastasse isso, se o governo federal não fechar direitinho as frestas que geraram a crise que hoje nos encontramos, o dinheiro adicional arrecadado acabará tendo o mesmo destino: irá parar na vala comum da corrupção. Será um saco sem fundo. Qualquer que seja a quantidade arrecadada, sempre as contas públicas ficarão no vermelho. Foi, aliás, o que aconteceu com a saúde no tempo em que vigorava a CPMF. Nada obstante os vultosos recursos injetados nos cofres do governo, o brasileiro continuou tendo um péssimo serviço prestado nos hospitais públicos. Não mudou absolutamente nada. A cena parece que irá ser repetir. Tomara que não.
Então, qual é a saída? De onde tirar o dinheiro que o governo tanto precisa?
Conforme dito, o governo Temer não pode errar. Tem que acertar de qualquer jeito. Do contrário, terá o mesmo destino do governo Dilma. Além disso, possui diante de si a difícil tarefa de ganhar credibilidade, não apenas no campo político, mas principalmente junto ao empresariado brasileiro.
Por outro lado, ninguém gosta de pagar impostos. Isso é válido para qualquer país do mundo. Mas no Brasil temos pelo menos dois agravantes: nossa carga tributária é alta; e o dinheiro arrecadado através dela não é traduzido pela prestação de serviços públicos satisfatórios. Muito pelo contrário. Os serviços ofertados pelo governo ficam muito aquém do desejado. Ou seja, pagamos muito e não recebemos quase nada de volta. O balanço não bate.
Não sou especialista tributário, mas sempre me questionei muito a respeito da regra de se tributar cada vez mais, na medida em que a riqueza se eleva. A coisa funciona mais ou menos assim: se lucro 1 milhão, então pagarei 10% de impostos. Se os negócios prosperam a ponto de fazerem com que os lucros tripliquem então também minha carga tributária se eleva na mesma proporção. Ou seja, quanto mais gero riquezas; quanto mais abro postos de trabalho; quanto maior for a minha folha de salários; maior também será minha carga tributária. Que contra-senso! Afinal de contas, o governo não deseja exatamente isso? Mais pessoas empregadas, trabalhando, tendo uma ocupação profissional e ganhando em troca algum rendimento? Pois bem. Em tais casos, tributações cada vez maiores acabam desestimulando o empresariado a produzir, a gerar mais riquezas, não é verdade? Ela acaba funcionando como uma penalidade para quem se compromete com o crescimento e o desenvolvimento econômico!
Além disso, é certo que políticas tributárias cada vez mais agressivas estimulam a sonegação de impostos e levam para a informalidade importantes segmentos econômicos que poderiam deixar uma boa fatia de tributos para os cofres públicos, especialmente em tempos de vacas magras (nossa atual situação).
E se invertêssemos a pirâmide da tributação? Em outras palavras: e se de agora em diante, ao invés de tributações progressivas, passássemos a conviver com tributações regressivas? O que aconteceria? No exemplo apontado anteriormente, caso o lucro triplicasse a carga tributária seria reduzida em algum ponto percentual. Isso certamente estimularia a produção e o consumo interno. Caso o setor empresarial continuasse a crescer, a carga tributária também continuaria caindo.
Em outras palavras.
Num primeiro momento, o governo renunciaria a parcelas de suas receitas. Isso faria com que um estabelecimento, se desejasse pagar menos impostos, teria de estimular sua produção gerando mais renda e emprego. E aí? Será que realmente a arrecadação cairia? A geração de novas riquezas e mais postos de trabalho certamente alargariam a base contributiva de todo o sistema econômico, o que poderia ser traduzido por mais impostos arrecadados, justamente porque o volume da produção como um todo experimentaria uma aspiral ascendente.
Conquanto uma resposta precisa para tais questionamentos passe pelo crivo da Econometria (responsável por medir o impacto de políticas econômicas numa economia), não é difícil imaginar que ideias como essas poderiam facilmente cair no gosto do empresariado, já amplamente massacrado por cargas tributárias absurdamente altas. Ou seja, o governo Temer conquistaria a confiança do grande capital, além de encontrar uma saída igualmente viável para a crise que ora atravessamos e para irrigar os ressequidos cofres públicos. E já que estamos falando em reforma tributária, por que não incluirmos medidas como esta na pauta de negociação? É absurda? Acredito que não. Muito pelo contrário. Trata-se de uma medida ousada e, acima de tudo, sedutora para todo o sistema econômico.
Num cenário com essa perspectiva, é muito provável que os segmentos econômicos começassem a investir maciçamente na geração de riquezas, a fim de pagarem menos impostos. Quem já paga elevadas fatias tributárias poderia reduzir sua pesada carga. A sobra de recursos daí advinda poderia ser aplicada nas mais diversas situações (redução de endividamentos, aquisição de máquinas e equipamentos, contratação de mais força de trabalho, compras de insumos para a produção, etc.) fazendo novamente girar a roda da economia como um todo. Certamente, um excelente círculo virtuoso!
Mas será que o governo Temer teria peito para tomar medidas tão ousadas como essa? Não sei. Só sei que de tão audaciosa, iniciativas dessa natureza só existem na cabeça de quem vos escreve e de talvez uma meia dúzia de tributaristas espalhados por esse mundo.
ALIPIO REIS FIRMO FILHO
Conselheiro Substituto – TCE/AM